Sítios de canulação arterial para troca da aorta ascendente
Afecções agudas da aorta ascendente podem se tornar desafiantes para a equipe cirúrgica lidar. Um desses desafios é a escolha ideal do local de canulação arterial para estabelecer a circulação extracorpórea (CEC).
Dissecções da aorta e hematomas intramurais (HI) tipo A (envolvendo aorta ascendente) tem altas taxas de mortalidade nas primeiras 48h, sendo cirurgia de urgência (realizada em menos de 24h do diagnóstico) a conduta recomendada.
Podem se estender desde a aorta ascendente à descendente e envolver até os ramos supra aórticos. Muitas vezes é necessário trocar toda a aorta ascendente e até o arco aórtico, impossibilitando a colocação da cânula arterial na própria aorta ascendente.
A priori, o cirurgião deve analisar minunciosamente os exames de imagens a fim de decidir o melhor local para canulação. Atenção deve ser tomada para sinais que possam influenciar a escolha:
Artérias dissecadas – risco de canular o falso lúmen.
Hematomas intramurais >5mm ou circunferenciais – risco de embolia na hora da canulação ou dificuldades de acertar o lúmen verdadeiro.
Pacientes com esternotomia prévia;
Sinais de tamponamento;
Deformidades anatômicas.
Locais de canulação arterial:
Aorta ascendente:
Fonte: Leshnower, B. (2019). Cannulation strategies, circulation management and neuroprotection for type A intramural hematoma: tips and tricks.
A aorta ascendente é o sítio principal de canulação arterial em cirurgias cardíacas, e sempre priorizado quando possível, mesmo para cirurgias de troca de aorta ascendente. Para pacientes em instabilidade hemodinâmica e necessidade de iniciar a CEC urgente, é o melhor sítio – se não houver fatores impeditivos. Há ainda o benefício de não precisar de uma incisão extra. Em casos de hematomas intramurais importantes, canulação através da técnica de Seldinger (com a ajuda de um fio guia) ajuda a reduzir o risco e embolia
Tronco braquiocefálico:
Fonte: Leshnower, B. (2019). Cannulation strategies, circulation management and neuroprotection for type A intramural hematoma: tips and tricks.
Frequentemente poupado nas dissecções e HI, é um ótimo local de canulação. Permite rápida entrada em CEC se necessário e pode ser preparado antes da abertura do pericárdio. Como é um vaso de grande calibre, o clampeamento parcial permite a anastomose de um tubo de dacron término-lateral sem comprometer o fluxo arterial.
Artéria axilar direita / subclávia:
Fonte: Leshnower, B. (2019). Cannulation strategies, circulation management and neuroprotection for type A intramural hematoma: tips and tricks.
Excelente escolha de canulação arterial, inclusive associada a menor risco de AVC em pacientes submetidos a troca de aorta ascendente / arco aórtico com parada hipotérmica. Mantem a possibilidade de circulação cerebral anterógrada seletiva, quando clampeando o tronco braquiocefálico e a carótida esquerda.
Carótidas comuns:
Fonte: Leshnower, B. (2019). Cannulation strategies, circulation management and neuroprotection for type A intramural hematoma: tips and tricks.
Para casos de re-operação, onde sabidamente a axilar / tronco braquiocefálico já foram utilizados, há a opção de canular as carótidas comuns – também tipicamente poupadas no HI / dissecção. Com uma incisão de 5cm, começando 2cm acima da cabeça da clavícula e na borda anterior do esternocleidomastodeo, pode-se ter acesso a artéria. Anastomose de tubo de dacron é preferencial para manter o fluxo carotídeo.
Artérias femorais:
Fonte: Leshnower, B. (2019). Cannulation strategies, circulation management and neuroprotection for type A intramural hematoma: tips and tricks.
Também preferível em casos de re-operações, por ser uma opção válida quando o coração está muito aderido ao esterno. A entrada em CEC previamente a esternotomia ajuda a evitar lesões cardíacas graves. A artéria femoral pode ser canulada via punção ou diretamente por dissecção. Vale notar que para pacientes com aneurisma, dissecções ou trombos murais na aorta descendente, a manutenção da CEC via artéria femoral acarreta em maior risco de AVC devido a chance de embolia / dissecção pelo fluxo retrógrado.
Outros sítios são possíveis como o próprio arco aórtico (guiado por ECO transesofágico e via Seldinger) e a artéria braquial.
ECO Transesofágico mostrando guia dentro da luz verdadeira do arco aórtico / Cânula sendo introduzida.
Fonte: Ma, H., Xiao, Z., Shi, J., Liu, L., Qin, C., & Guo, Y. (2018). Aortic arch cannulation with the guidance of transesophageal echocardiography for Stanford type A aortic dissection. Journal of cardiothoracic surgery.
Detalhe: a canulação pode ser feita diretamente na artéria ou anastomosando um tubo de dacron de 8 ou 10mm término-lateral. A anastomose do tubo de dacron permite manter adequada perfusão distal do sítio canulado. Ainda, a canulação direta está associada a maior taxas de eventos adversos como dissecção da artéria, fluxo distal insuficiente, embolias, dissecção proximal ao local de inserção (pela ponta da cânula próxima a parede de uma artéria fragilizada).
Com a escolha do sítio de canulação arterial ideal, a cirurgia de troca de aorta ascendente / arco aórtico pode acontecer tranquilamente, com a segurança de um bom fluxo arterial e mínimo risco de acidentes.
Referências:
1- Evangelista A, Mukherjee D, Mehta RH, et al. Acute Intramural Hematoma of the Aorta. A Mystery in Evolution. Circulation 2005;111:1063-70.
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3- Leshnower BG. Cannulation strategies, circulation management and neuroprotection for type A intramural hematoma: tips and tricks. Ann Cardiothorac Surg 2019;8(5):561-566. DOI: 10.21037/acs.2019.08.08
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6- Svensson LG, Blackstone EH, Rajeswaran J, et al. Does the Arterial Cannulation Site for Circulatory Arrest Influence Stroke Risk? Ann Thorac Surg 2004;78:1274-84; discussion 1274-84. DOI: 10.1016/j.athoracsur.2004.04.063
7- Ma H, Xiao Z, Shi J, Liu L, Qin C, Guo Y. Aortic arch cannulation with the guidance of transesophageal echocardiography for Stanford type A aortic dissection. Journal of Cardiothoracic Surgery (2018) 13:106. DOI: 10.1186/s13019-018-0779-5.