Como escolho as cânulas e tubos para a CEC?
Escrito por Matheus M. Hennemann
O circuito de circulação extracorpórea (CEC) permite ao perfusionista e ao cirurgião escolhas quanto ao tipo e ao tamanho de alguns componentes. Dentre esses, as cânulas e os tubos a serem utilizados devem ser escolhidos com base na programação cirúrgica, nas características do paciente, nas características dos materiais e na preferência do cirurgião.
Dentre os principais fatores que determinam a escolha do tipo de cânula estão:
Abordagem (central ou periférica);
Fluxo a ser alcançado;
Tamanho do vaso;
Preferência do cirurgião (ponteira e estrutura da cânula)
ABORDAGEM
A canulação central permite acesso a vasos mais calibrosos, possibilitando o uso de cânulas com maior diâmetro e mais curtas. Já na canulação periférica, os vasos são menos calibrosos e cânulas devem ser mais finas e mais compridas.
1. CENTRAL
Na grande maioria das cirurgias cardíacas se faz uso de canulação central, sendo a artéria aorta ascendente o vaso de escolha para canulação arterial. Já a canulação venosa central pode ser feita de duas formas: única em átrio direito, mais escolhida para cirurgias sem a abertura de cavidade cardíaca (como troca valvar aórtica e revascularização do miocárdio) ou canulação dupla nas veias cava, mais utilizada em troca valvar mitral ou tricúspide e fechamento de comunicação interatrial ou interventricular.
A canulação central na aorta ascendente é o sítio principal de canulação arterial em cirurgias cardíacas, e sempre priorizado quando possível (leia nossa postagem sobre sítios de canulação para troca da aorta ascendente).
2. PERIFÉRICA
Situações ou planejamentos cirúrgicos específicos podem exigir a canulação periférica, seja ela em vasos femorais ou cervicais. A canulação femoral pode ser escolhida em casos de necessidade de suporte rápido devido a sangramento extenso ou parada cardíaca, ou ainda em reoperações. Nesses casos, a cânula arterial inserida na artéria femoral proporciona fluxo retrógrado por toda aorta descendente. Já a cânula venosa femoral é longa e é introduzida até sua ponta alcançar o átrio direito, promovendo melhor drenagem.
A canulação em artéria axilar ou subclávia é comum em dissecção de aorta ascendente e do arco aórtico, e é realizada com auxílio de enxerto de PTFE (politetrafluoroetileno).
LEI DE POISEUILLE
Segundo a lei de Poiseuille, o fluxo (Q) através de um tubo é igual à pressão (P) dividida pela resistência (R). Já a resistência é descrita pela viscosidade (V) e comprimento (L), divididos pelo raio (r) do tubo na quarta potência.
Visto isso, entendemos porque o raio do tubo é tão importante na determinação do fluxo máximo através de um tubo ou cânula. O diâmetro dos tubos (3/16”, 1/4”, 3/8” ou 1/2”) e das cânulas são elementos chave na escolha do circuito de circulação extracorpórea. O comprimento também tem certa influência no fluxo, sendo isso mais importante quando se trata das longas cânulas venosas femorais.
CANULAÇÃO ARTERIAL
A ponta da cânula arterial consiste no ponto de maior resistência de todo o circuito da CEC. Sendo assim, existe um gradiente de pressão pré-cânula (medida na linha arterial) e pós-cânula (avaliada pela PAM do paciente), que não deve ser maior que 100 mmHg. Gradientes maiores estão associados à hemólise excessiva e à desnaturação proteica. Para tal, devemos consultar a tabela dos fabricantes, já conhecendo o fluxo do nosso paciente.
Tabelas das quedas de pressão de cânulas arteriais da Medtronic. Devemos escolher a cânula objetivando um gradiente de pressão menor que 100 mmHg.
Exemplo 1: Um homem de 85 kg e 1,75 m apresenta superfície corpórea de 2,01 m2 (cálculo de Dubois). Se utilizarmos um índice de 2,6 L/min/m2, o fluxo desse paciente será de 5,2 L/min. Observando a tabela acima, vemos que a cânula 18 Fr ofereceria um gradiente > 100mmHg e a cânula 20 Fr chegaria próximo aos 100 mmHg. Contudo, devemos levar em consideração que essas tabelas são descritas para o fluxo de água. O sangue com hematócrito de 40% apresenta viscosidade 4x maior que a da água. Visto isso, nesse caso seria mais adequado escolher uma cânula 22 ou até 24 Fr, se o tamanho do vaso a ser canulado for grande.
Exemplo 2: para uma criança de 4,5 kg, utilizando índice de 150 ml/kg/min, teremos um fluxo de 675 ml/min. Observando a tabela acima, veremos que a cânula 8 Fr ficaria próxima a 100 mmHg de gradiente de pressão. Em cirurgia cardíaca pediátrica, muitas vezes os vasos são pequenos e limitam o tamanho da cânula ideal a ser colocada. O cirurgião irá avaliar o vaso a ser canulado e discutir com o perfusionista a melhor escolha para esse caso, observando o gradiente de pressão e o fluxo calculado para o paciente.
Uma avaliação rápida do tamanho das cânulas arteriais pode ser feita através da tabela abaixo, retirada e adaptada do livro Perfusion for congenital heart surgery, de Gregory Matte (2015).
Outro ponto interessante a ser ressaltado nas cânulas arteriais, é o tipo de ponteira. As pontas metálicas tem parede mais fina, sendo que a espessura interna acaba sendo maior do que uma plástica (o tamanho informado das cânulas consiste no diâmetro externo). Contudo, essa parede fina e, de certa forma, afiada pode proporcionar deslocamento de placas de ateroma ou danificar a camada íntima do vaso. As pontas de plástico apresentam luz menos calibrosa, mas propiciam inserção mais sutil no vaso.
Estudos mais recentes acerca do desenho da ponteira demonstraram que cânulas com saída em apenas um jato apresentam maior velocidade máxima do jato, podendo danificar a parede interna do vaso. Esse efeito, chamado de sandblasting, pode ser evidenciado na imagem abaixo, que compara uma cânula com jato em dispersão e outra com jato único, da mesma fabricante.
Comparação de uma cânula com jato de dispersão, com 4 pontos de saída, e uma cânula com jato único. O modelo de dispersão diminui o efeito de sandblasting.
A tabela abaixo compara as características dos três principais sítios de canulação arterial em cirurgia cardíaca.
CANULAÇÃO VENOSA
A canulação venosa é tão importante quanto a arterial, pois será responsável pela drenagem do sangue do paciente para o reservatório venoso da CEC. Se essa drenagem for inadequada, poderá dificultar a visualização das estruturas pelo cirurgião e provocar distensão das câmaras cardíacas, além de restringir o fluxo arterial dado pelo perfusionista.
Para as cânulas venosas, a mesma lei de Poiseuille se aplica. Quanto maior o calibre da cânula, menor a resistência e maior o fluxo à drenagem do sangue. Além disso, a drenagem venosa é influenciada pela volemia do paciente, diferença de altura entre a mesa cirúrgica e o reservatório venoso (ideal entre 40 a 60 cm) e posicionamento e resistência da cânula venosa.
Quando se respeita a diferença de altura entre a mesa e o reservatório venoso, a sifonagem e a gravidade promovem uma pressão de drenagem entre -10 e -15 mmHg. Esse é o valor observado na tabela de queda de pressão dos fornecedores de cânulas. Vale lembrar que podemos melhorar a drenagem através da aplicação de vácuo no reservatório. A técnica de drenagem venosa assistida a vácuo (DVAV) melhora consideravelmente a drenagem venosa, e deve ser mantida entre -40 a -50 mmHg.
Tabelas das quedas de pressão de cânulas venosas da Medtronic. A pressão negativa usual é entre -15 mmHg, porém podemos levar essa pressão a - 40 mmHg, elevando a capacidade de drenagem venosa.
Uma avaliação rápida do tamanho das cânulas venosas DLP de ponta metálica pode ser feita através da tabela abaixo, retirada e adaptada do livro Perfusion for congenital heart surgery, de Gregory Matte (2015). Quando se utiliza drenagem dupla, vale lembrar que o fluxo total de drenagem é a soma do que cada cânula permite.
Do mesmo modo que a canulação arterial, os dois tipos de canulação venosa central são comparados na tabela abaixo.
Comparação entre sítios de canulação arterial. Adaptado de Gravlee, G. et al. Cardiopulmonary Bypass and Mechanical Support: Principles and Practice. 4ª ed, 2015.
TUBOS
A escolha da tubulação das linhas venosa e arterial é relevante por dois fatores. Além da resistência à drenagem e ao fluxo de infusão, elas consistem em parte do circuito de CEC e ajudam a determinar o volume do perfusato ou prime. Esse último fator é extremamente importante em cirurgias pediátricas, na qual o prime da CEC muitas vezes é maior que a volemia do paciente.
De maneira geral, em cirurgias de adultos, o tubo de 1/2” é escolhido para a drenagem venosa, e o de 3/8” para a linha arterial. Pequenos adultos permitem a utilização de uma drenagem com tubo de 3/8”, o que contribui para diminuição do prime e menor hemodiluição.
Em cirurgias pediátricas, a escolha da tubulação deve respeitar o fluxo de drenagem pelas cânulas venosas, e ser preferivelmente maior que o fluxo arterial. Na grande maioria, a canulação é bicaval, porém a linha de drenagem pode ser única ou dupla. Um estudo brasileiro (L. F. Caneo et al., 2018) demonstrou que a drenagem única (1/4” ou 3/8”) é superior à dupla (dupla 3/16” ou dupla 1/4”, respectivamente). A resistência é até 2 vezes menor na drenagem única, e a volemia é praticamente a mesma.
CONCLUSÃO
A escolha das cânulas e tubos deve ser realizada conforme às características do paciente e da cirurgia proposta. A experiência dos profissionais é importante para as escolhas corretas, porém é sempre bom ter acesso rápido às tabelas dos fornecedores para maiores informações.
Referências:
1. Caneo, L. F. et al. (2018) Functional Performance of Different Venous Limb Options in Simulated Neonatal/Pediatric Cardiopulmonary Bypass Circuits. Braz J Cardiovasc Surg 33(3), 224-232. https://doi.org/10.21470/1678-9741-2018-0074
2. Cohn, L. H.; Adams, D. H. (2017) Cardiac Surgery in the Adult: 5ª ed. McGraw-Hill Education.
3. Lata, A. L. et al. (2011) Cannula design reduces particulate and gaseous emboli during cardiopulmonary bypass for coronary revascularization. Perfusion 26(3), 239–244. https://doi.org/10.1177/0267659110394905
4. Matte, G. S. (2015) Perfusion for Congenital Heart Surgery. New Jersey: John Wiley & Sons.
4. McDonald, C. I. et al. (2015) Hydrodynamic evaluation of aortic cardiopulmonary bypass cannulae using particle image velocimetry. Perfusion 31(1), 78-86. https://doi.org/10.1177/0267659115586282
5. Mongero, L.; Beck, J. (2008) On Bypass: Advanced Perfusion Techniques. New Jersery: Humana Press.
Sobre o Autor:
Matheus M. Hennemann
Biomédico formado pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).
Especialista em circulação extracorpórea pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
Atualmente atua como perfusionista na Santa Casa de Porto Alegre.
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