Anatomia cirúrgica da valva mitral: conceitos básicos e armadilhas cirúrgicas.
A cirurgia da valva mitral é uma das mais corriqueiras na rotina da cirurgia cardíaca, havendo diversas técnicas para sua reparação. O conhecimento anatomico e funcional das cúspides, anel e aparelho subvalvar mitral (cordoalhas e músculos papilares) torna-se fundamental para o sucesso da estratégia cirúrgica e técnica escolhida.
Outro ponto importante é o entendimento das estruturas que circundam o campo cirúrgico de maneira a evitar as armadilhas que provocam as complicações.
Dessa forma, assim como em qualquer outro procedimento, conhecer os conceitos anatômicos básicos é importantíssimo para o sucesso da cirurgia, tendo esse post o objetivo principal descrever tais conceitos e armadilhas.
CÚSPIDES E ANEL MITRAL
As cúspides da valva mitral são mais largas , mais espessas e mais fortes do que a valva tricúspide
O anel mitral faz parte do esqueleto fibroso do coração, correspondendo a uma estrutura fibrosa e densa que serve de alicerce para as valvas e fibras miocárdicas
Cúspide Anterior e porção anterior do anel mitral
Relação com a valva aórtica.
Essa porção do Anel é menos propensa a dilatação quando comparado a porção posterior
Devemos tomar cuidado com pontos profundos nessa região para não gerar insuficiência aórtica por retesamento das cúspides. Distenção do coração e aorta flácida durante a cardioplegia podem ser sinais de insuficiência aórtica.
Cúspide Posterior e Porção posterior do anel mitral
Relação com a parede posterior do coração
O anel posterior classicamente é o que mais dilatada nas cardiopatias estruturais.
Na anuloplastia Mitral um anel ou uma banda de pericárdio é colocada entre as duas comissuras contemplando 60 % do anel
Plastia entre os dois trigonos fibrosos contempla 75 % do anel mitral com alguns trabalhos mostrando melhores resultados. Idéia é deixar uma menor porção do anel anterior passível de dilatação.
O quanto de anel contemplar durante a anuloplastia é motivo de discussão havendo diversos tipos de próteses.
A coronária circunflexa (CX) margeia o perímetro desse anel.
Pontos profundos nessa região pode lesionar a CX provocando infarto agudo do miocárdio. Dificuldade em sair de Bypass, arritmias ventriculares, síndrome de baixo débito e alterações eletrocardiográficas podem ser sinais dessa complicação.
Trabalhos anatômicos mostram que a relação mais próxima entre a CX e o anel mitral é na região da comissura anterolateral se distanciando a medida que a artéria percorre o sulco atrioventricular no sentido posterior. Portanto durante a passagem dos pontos deve-se redobrar o cuidado nessa região.
Os pontos em vermelho correspondem aos trígonos fibrosos.
A imagem acima demonstra bem como é na prática. Pontos muito profundos efetuados nas regiões descritas na imagem podem gerar complicações por vezes graves e irreversíveis.
De maneira didática na relação relógio x estrutura teremos: 1) as 12 horas, valva Ao; 2) 2-3 horas, sistema de condução; 3) 5-6 horas, seio coronário e 4) 6-9 horas CX
CLASSIFICAÇÃO DE CARPENTIER - SEGMENTAÇÃO DA VALVA MITRAL
Didaticamente as cuspides são divididas em seis segmentos sendo útil para descrição cirúrgica e ecocardiográfica.
A: cúspide anterior dividida de 1 a 3 , no sentido anterolateral para posteromedial
P: :cúspide posterior dividida de 1 a 3 , no sentido anterolateral para posteromedial
P2 é o local de maior incidência de prolapso mitral relacionado a ruptura de cordoalha.
Imagem acima mostrando prolapso de P2.
MUSCULOS PAPILARES
As cuspides são sustentadas por 02 músculos papilares
Anterolateral
Cabeças
Mural
Aórtica
Comissural
Geralmente único com um sulco na linha média
Normalmente irrigado pela DA e CX
Essa dupla irrigação protege esse músculo em comparação ao posteromedial que possui perfusão apenas pela CD. Dessa forma a Regurgitação isquêmica se da mais na cuspide posterior
Posteromedial
Cabeças
Mural
Aórtica
Comissural
É múltiplo ou bífido ou trífido
Geralmente nutrido pela CD
Na sístole os músculos papilares se contraem encurtando as cordas e cúspides de forma a evitar prolapso.
Cordas tendíneas
Tipos
Primária
Sai do papilar e se insere nas cúspides
Secundária
Há uma ramificação
Terciária e quartenaria
Até se inserir na valva há 3 ou 4 ramificações
Referências
1. GUEDES, Marco Antonio Vieira et al . Plastia valvar mitral pela técnica do Duplo Teflon: análise do remodelamento cardíaco pela ecocardiografia tridimensional. Rev Bras Cir Cardiovasc, São José do Rio Preto , v. 25, n. 4, p. 534-542, Dec. 2010 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-76382010000400018&lng=en&nrm=iso>. access on 29 Aug. 2017. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-76382010000400018.
2. Kirklin/Barratt-Boyes cardiac surgery
3. Khonsari, Cardiac Surgery. Safeguards and Pitfalls in Operative Technique 5 ed. Philadelphia 2017.