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Foto do escritorLaio Wanderley

Deveríamos abandonar a cirurgia sem CEC nos pacientes com lesão de tronco da coronária esquerda?

Atualizado: 14 de jan.



A cirurgia de revascularização do miocárdio (CRM) com circulação extracorpórea (CEC) é eficaz e segura. O problema gira em torno da morbidade provocada pela submissão do paciente a uma circulação extracorpórea que promove várias morbidades inerentes a anticoagulação plena, a canulação da aorta, a hemodiluição, entre outras variáveis que não existiriam se a cirurgia fosse sem CEC.

Para se tentar evitar todos os percalços da CEC ,foi elaborado o método de CRM sem a necessidade do bypass, sendo uma técnica bastante explorada na última década devido ao avanço técnológico.

Porém, os resultados em longo prazo da cirurgia sem CEC continuam a ser controversos. Sabidamente a técnica off-pump, ou sem bomba (outro termo usado na prática quando o paciente não se submete a CEC), possui uma taxa menor de revascularização completa (quando todas as artérias coronárias obstruídas e de bom calibre são revascularizadas) principalmente se realizada por cirurgiões não familiarizados com a técnica. Estudos como o CORONARY e o ROOBY-FS não mostraram vantagens claras com a cirurgia sem CEC em um seguimento de 05 anos, pondo em questão os reais benefícios práticos do método. O ROOBY-FS chegou a levantar a hipótese que a maior mortalidade no seguimento em longo prazo poderia estar associada a maior taxa de revascularização incompleta no grupo sem CEC.

O impacto da revascularização incompleta nos pacientes com lesão de tronco da coronária esquerda (LCE) pode ser ainda mais relevante devido a doença isquêmica severa que esses pacientes costumam sofrer.

Tentando analisar o impacto da cirurgia sem CEC nos pacientes com lesão de tronco da coronária esquerda, recentemente foi publicada no JACC uma análise retrospectiva post hoc do famoso estudo EXCEL que comparou CRM versus angioplastia em pacientes com LCE. O que os autores fizeram foi estudar somente o grupo que foi submetido a CRM (923 pacientes) e separá-los em dois subgrupos conforme a técnica cirúrgica utilizada: (1) aqueles que fizeram a CRM com CEC versus (2) CRM sem CEC.

Os critérios de inclusão foram: 1) LCE com estenose de 70% ou mais estimado visualmente no Cateterismo, ou estenose de 50% a < 70% determinado por outros métodos que demonstrassem que a lesão era hemodinamicamente significativa; 2) Consenso entre os membros do Heart Team quanto à elegibilidade para CRM; 3) SYNTAX score de 32 ou menos (baixa a intermediária complexidade da anatomia coronária).

O objetivo primário era o mesmo do EXCEL - morte por todas as causas, Infarto agudo do miocárdio (IAM) e acidente vascular encefálico (AVE).

O grupo de CRM com CEC (70,6%) e CRM sem CEC (29,4%) possuíam características similares para a maioria das variáveis basais (sexo, idade, comorbidades, até mesmo o SYNTAX score).

Na análise, a CRM sem CEC obteve:

  • Número significativamente menor de vasos revascularizados por paciente (2,1 + ou - 0,6 vs. 2,3 + ou - 0,5; p = 0,0005)

  • Menor número de enxertos por paciente (2,3 + ou - 0,7 vs 2,7 + ou - 0,8 ; p <0,0001).

  • Maior prevalência de revascularização arterial total (35,4% vs. 20,4%; p <0,001), devido à maior taxa de enxertos de artéria mamária interna bilateral

Já a CRM com CEC demonstrou:

  • Possuir maior taxa de Fibrilação atrial (FA) e Flutter, procedimentos terapêuticos e cirurgia não planejada.

Em 03 anos, a cirurgia sem CEC estava associada a um aumento significativo na mortalidade o que os autores delegaram a taxa maior de revascularização incompleta.

Fonte: Journal of the American College of Cardiology Aug 2019, 74 (6) 729-740; DOI: 10.1016/j.jacc.2019.05.063

Mas e aí? A cirurgia sem CEC na lesão de tronco deve ser abandonada?

Obviamente não podemos descartar a cirurgia sem CEC para lesões de tronco da coronária esquerda! A individualização de cada caso se faz necessário, devendo-se levar em conta diversos fatores tais como:

  • QUAL A COMPLEXIDADE DA ANATOMIA CORONARIANA?

    • O presente estudo, assim como também outros dois pequenos trabalhos citados na discussão do artigo, demonstra que o SYNTAX score acima ou igual a 23 elevam o risco da CRM sem CEC no paciente com lesão de tronco. Dessa forma, se o paciente tem lesão de tronco com SYNTAX baixo (< 23) a cirurgia sem CEC pode ser factível. Por outro lado, se o SYNTAX score for alto, talvez o prudente seja optar pela cirurgia com CEC, principalmente os menos experientes.

  • QUAL A EXPERIÊNCIA DO CIRURGIÃO COM CIRURGIA SEM CEC?

    • Algo notório em vários trabalhos é que quanto menor a experiência do cirurgião com a técnica sem CEC, piores são os resultados (maior mortalidade, menor longevidade dos enxertos, maior taxa de conversão da sem CEC para com CEC.

  • O EXCEL não exigiu uma experiência mínima do cirurgião para realizar a cirurgia sem CEC sendo esse fator um viés enorme. Sabemos que para qualquer área do conhecimento a experiência conta muito. Para cirurgiões que já concluíram a curva de aprendizado e fazem de rotina a cirurgia sem CEC, os resultados podem ser bem melhores do que os demonstrados no estudo em questão.

  • O PACIENTE POSSUI AORTA EM PORCELANA OU RISCO ELEVADO DE AVE?

    • Com classe de recomendação I e nível de evidência B, parece consenso que pacientes com aterosclerose intensa na aorta ascendente (aorta em porcelana) merecem uma revascularização sem CEC, e de preferência sem clampear a aorta (aorta no-touch) para minimizar o risco de AVE. Portanto, mesmo que o paciente possua uma lesão de tronco, se a aorta for em porcelana parece inevitável realizar uma cirurgia sem CEC.

  • O TRABALHO ATUAL TEM A PALAVRA FINAL?

    • Parece que não. O estudo citado acima foi uma avaliação post hoc, não randomizada, baseada no EXCEL que nem avaliou a expertise do cirurgião para técnica sem CEC.

Apesar de o estudo fornecer uma informação relevante, é sensato sempre que possível individualizar os casos para escolher a técnica operatória mais apropriada, seja ela com CEC ou sem CEC.

Referência:

1) Journal of the American College of Cardiology Aug 2019, 74 (6) 729-740; DOI: 10.1016/j.jacc.2019.05.063


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