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Luiz R P Cavalcanti

Por que devemos nos preocupar com a Valva Tricúspide?


A valva tricúspide (VT) é historicamente tida como a valva cardíaca menos estudada, frequentemente negligenciada por clínicos e cirurgiões.

Ela separa o átrio direito (AD) do ventrículo direito (VD), e como o nome já explica, possui em geral três cúspides: anterior, posterior e septal. É a maior das valvas cardíacas, com orifício medindo entre 7-9 cm². Possui uma importante relação com estruturas adjacentes como nó átrio ventricular (AV), feixe de His e seio coronariano (1, 2).

Retirado de: Anatomy and Physiology of the Tricuspid Valve.

Afecções na VT podem ser divididas em:

Primárias: quando há doença estrutural da VT. Exemplos: Anomalia de Ebstein, Endocardite, Febre Reumática, traumas, etc.

Secundárias: quando há insuficiência tricúspide (IT) com a valva morfologicamente normal. Em geral devido à dilatação do VD consequentemente dilatando o anel tricuspídeo. Correspondem a 75% dos casos e podem ser subdivididas em patologias do coração esquerdo - valvas ou disfunção ventricular esquerda, patologias que cursam com hipertensão pulmonar (HAP), disfunções de VD ou causas desconhecidas. Exemplos: insuficiência mitral (IM), estenose aórtica (EAo), trombo embolismo pulmonar (TEP), infarto de VD (2, 3).

A prevalência estimada é de 1,6 milhões de pessoas só nos Estados Unidos, sendo que em até 50% dos pacientes com insuficiência mitral (IM) grave e 25% dos pacientes com estenose aórtica (EAo) grave possuem IT moderada ou severa (3).

Insuficiência tricúspide.

Pelo fato da grande maioria das doenças tricuspídeas serem secundárias à doença nas valvas mitral (VM) ou aórtica (VAo), acreditava-se de que a IT seria sanada após a correção da patologia inicial. Com o tempo, vários estudos provaram que não só em alguns casos a IT não melhora após a cirurgia da valva esquerda, como progridem, levando a disfunção de VD, contribuindo para um pior prognóstico dos pacientes e maior mortalidade (4).

Os pacientes geralmente desenvolvem sintomas relacionados a doença base das valvas esquerdas, visto que quando isolada, a IT raramente é sintomática – só contribuindo com achados clínicos em estágios tardios da doença.

Quando presentes, esses são: fadiga em geral, diminuição da capacidade de exercício físico, congestão periférica (edema de membros inferiores), dor em hipocôndrio direito (devido à congestão hepática), e ascite (4).

Na ausculta, o achado típico é de murmúrio pan sistólico na borda esternal baixa, aumentando com a inspiração.

Sopro da IT.

É fundamental o acompanhamento da função do VD, sendo feito através do ECO. As medidas mais simples para avaliar a função do VD incluem:

TAPSE: É a medida da excursão sistólica do plano anular tricuspídeo, que reflete acuradamente a função longitudinal do VD. < 15 mm (<17 mm segundo algumas referências) indica disfunção de VD (4, 5).

Área final diastólica e sistólica de VD: Um diâmetro > 42 mm basal e um diâmetro ao fim da sístole >20 cm² indica dilatação de VD. Note que esses valores podem subestimar o grau de disfunção de VD na presença de sobrecarga de volume e IT severa; devendo ser interpretados com cautela (4).

Retirado de: Tricuspid regurgitation and the right ventricle in risk stratification and timing of intervention.

Já as medidas para VT ao ECO incluem:

Largura da vena contracta: >7 mm indica IT severa (4, 5).

Orifício regurgitante efetivo: >40 mm / volume regurgitante > 45 ml indicando IT severa (4, 5).

Retirado de: Tricuspid regurgitation and the right ventricle in risk stratification and timing of intervention (esquerda)

The forgotten, not studied or not valorized tricuspid valve: the transcatheter revolution is coming (direita).

É cada vez mais evidente o benefício de se intervir na VT; com vários estudos já mostrando o pior prognóstico dos pacientes portadores de IT. Em meta analise publicada em 2017, com 2840 pacientes, Pagnesi et al demostrou que o reparo da VT durante a cirurgia da valva esquerda é associado a redução da mortalidade por eventos cardiovasculares e melhora os desfechos relacionados a IT (6).

As atuais recomendações para intervir na VT incluem:

IT primária: Pacientes sintomáticos com IT grave – classe I; e pacientes assintomáticos com deterioração de VD – classe IIa.

IT secundária: Quando IT severa e o paciente já vai ser submetido a cirurgia de valva esquerda – classe I; ou moderada se há dilatação importante do anel tricuspídeo (>40mm ou 21mm/cm²) – classe IIa.

* Cirurgia também deve ser considerada em pacientes com IT severa após reparo de valva cardíaca esquerda que continuam sintomáticos ou que há deterioração de VD - com ou sem intervenção na VT na cirurgia inicial (4).

Há diferentes modalidades de intervenções para a VT; incluindo plastias, trocas e modalidades transcateter.

Em casos de grande destruição da valva, falhas de plastias anteriores ou grande dilatação do anel valvar, pode-se optar pela troca completa da valva, por biológica ou mecânica, sendo preferível a valva biológica por alguns motivos: em posição tricuspídea, as valvas biológicas costumam durar mais; há maior predisposição a trombose de valva mecânica em cavidades direitas por ser um sistema de menor pressão e menor nível de prostaciclinas (acontecendo não raramente mesmo com anticoagulação adequada); valvas mecânicas em posição tricuspídea podem impedir o implante de marca passos; e por num futuro poder realizar valve-in-valve transcateter (1, 7).

Vale lembrar que a troca de VT é associada a piores desfechos quando comparado à plastia, incluindo maiores taxas de morte hospitalar (3).

O padrão ouro ainda é a plastia cirúrgica, com anel tendo melhores resultados que a plastia apenas com sutura. Existem outras formas de plastias, como: ressecção triangular de cúspides e implante de novas cordas (5).

​​

Plastia tricuspídea com anel.

Fatores como disfunção de VD grave e hipertensão pulmonar severa são associados com piores desfechos após plastia de VT. Acredita-se que há um ponto onde a disfunção de VD não seja mais reversível e a plastia não irá trazer benefício (8).

Modalidades transcateter para VT incluem: redução do anel valvar, dispositivos para melhorar a coaptação dos folhetos (incluindo uso do Mitraclip), troca valvar ou diminuição do refluxo para veia cava. Todas ainda em fase de testes iniciais para demonstrar a segurança e reprodutibilidade do método. Taxas de sucesso do procedimento (implante do device e retirada do sistema) variam de 70-100%, porem com desfechos ainda tímidos.

Exemplo de plastia tricuspídea transcateter: Cardioband.

*Não houve conflito de interesse na produção desse post.

Referências

1- Oliveira DC, Oliveira, CGC. The forgotten, not studied or not valorized tricuspid valve: the transcatheter revolution is coming. Cardiol Res. 2019;10(4):199-206.

2-Dahou A, Levin D, Reisman M, Hahn RT. Anatomy and Physiology of the Tricuspid Valve. JACC Cardiovasc Imaging. 2019 Mar;12(3):458-468.

3- Alkhouli M, Berzingi C, Kowatli A, et al. Comparative early outcomes of tricuspid Valve repair versus replacement for secondary tricuspid regurgitation. Open Heart 2018;5:e000878.

4- Antunes MJ, Rodr_ıguez-Palomares J, Prendergast B, De Bonis M, Rosenhek R, Al-Attar N et al. Management of tricuspid valve regurgitation. Eur J Cardiothorac Surg 2017;52:1022–30.

5- Rana BS, Robinson S, Francis R. Tricuspid regurgitation and the right ventricle in risk stratification and timing of intervention. Echo Res Pract. 2019 Mar; 6(1): R25–R39.

6- Pagnesi M, Montalto C, Mangieri A, Agricola E, Puri R, Chiarito M et al. Tricuspid annuloplasty versus a conservative approach in patients with functional tricuspid regurgitation undergoing left-sided heart valve surgery: a study-level meta-analysis. Int J Cardiol 2017;240:138–44.

7- Belluschi I, Del Forno B, Lapenna E, Nisi T, Iaci G, Ferrara D, Castiglioni A, et al. Surgical techniques for tricuspid valve disease. Front Cardiovasc Med. 2018;5:118.

8- Chikwe J, Itagaki S, Anyanwu A, Adams DH. Impact of concomitant tricuspid annuloplasty on tricuspid regurgitation, right ventricular function, and pulmonary artery hypertension after repair of mitral valve prolapse. J Am Coll Cardiol. 2015;65(18):1931-1938.

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