Vídeo-aula sobre interrupção do arco aórtico: da anatomia à estratégia cirúrgica
Atualizado: 15 de mar. de 2021
Baseado no capítulo "Interrupção do arco aórtico" do excelente livro do Professor Ulisses Croti, Esta vídeo-aula teve como objetivo principal esclarecer as principais variáveis anatômicas que influenciam na estratégia cirúrgica por meio de uma análise da classificação anatômica da patologia e dos defeitos comumente associados, para que assim, seja feito um adequado planejamento cirúrgico.
Abaixo segue um RESUMÃO do capítulo do livro, que serve como itinerário para a aula, além de possuir alguns detalhes adicionais de maneira a complementar o conteúdo do vídeo.
Interrupção do arco aórtico: da anatomia à estratégia cirúrgica.
DEFINIÇÃO
A interrupção do arco aórtico (IIAo) nada mais é que a ausência de continuidade anatômica entre a aorta ascendente e descendente.
Alguns profissionais estendem o diagnóstico para aqueles que não tem interrupção total mas possuem um segmente atrésico sem fluxo e para os casos de coartação extrema com ausência total do lúmen
EMBRIOLOGIA
Desenvolvimento a partir dos 6 pares de arcos pórticos
Divisão do arco:
Proximal
(do TBE até a carótida esquerda)
Distal
(da CE até a SE)
Istmo
Da SE até a ductus arteriosos
CLASSIFICAÇÃO
Celoria e Patton, em 1959, e inclui três tipos, denominados A, B e C, tendo corno base apenas, o local da interrupção.
TIPO A
Interrupção mais distal entre a subclávia esquerda e o canal arterial se devendo a ausência do istmo;
28% dos casos.
TIPO B
Interrupção entre a carótida comum esquerda e a subclávia esquerda;
A artéria subclávia direita pode ter trajeto retroesofágico, com origem aberrante na aorta descendente:
é preciso atentar, durante a dissecção operatória;
Possibilidade de origem anômala da artéria subclávia direita no ramo direito do tronco pulmonar.
Baseado nessa origem aberrante, uma subclassificação é adicionar o 01 quando tiver origem na aorta descendente e 02 quando vier da artéria pulmonar direita via tecido ductal.
70% dos casos.
Mais comum das 3 formas.
TIPO C
Inrrrupção mais proximal, logo após o TBE;
1 % dos casos.
DEFEITOS ASSOCIADOS
PCA:
Cardiopatia canal dependente;
praticamente obrigatório para garantir a perfusão distal.
CIV:
98 % dos casos além do PCA apresentavam outros defeitos sendo o CIV; representando 70%.
CIA:
Perante a sobrecarga do VE pode haver forame oval patente com shunt E-D.
Aorta:
A via de saída do ventrículo esquerdo (VSVE) e a aorta ascendente podem ter calibre subnormal;
IAAo pode ocorrer em associação com a síndrome do coração esquerdo hipoplásico;
Desvio do septo conal e valva aórtica bicúspide podem agravar a obstrução na VSVE.
QUADRO CLÍNICO
Forma típica de apresentação, com PCA e CIV:
A sintomatologia surge nos primeiros dias de vida, tão logo o canal começa a se fechar pois a restrição progressiva do fluxo causará grave isquemia à jusante.
Nota: Dessa forma o aparecimento de sintomas irá ter íntima relação com o grau de perviabilidade do canal. O canal arterial é uma "ponte de safena entre a artéria pulmonar para a aorta descendente".
Neonato apresenta-se em choque circulatório se o canal arterial fechar.
HISTÓRIA NATURAL
1.5% das cardiopatias congênitas;
Nos casos não operados, a mortalidade é de:
75% na primeira semana de vida;
apenas 10% dos pacientes sobrevivem mais de um ano.
1/3 dos pacientes com Síndrome de DiGeorge (aplasia tímica e das paratireoides) tem IAAo.
EXAMES COMPLEMENTARES
ECO
Fornece o diagnóstico no corte supraesternal;
O ecocardiografista atento deve sempre se lembrar do diagnóstico de IAAo quando diante de uma CIV com desvio posterior do septo interventricular, associada à desproporção de calibre entre a aorta ascendente; hipoplásica, em geral, de 5 a 6 mm, e o tronco pulmonar, bastante dilatado, em geral de 10 a 12 mm;
Nota: Na CIV da T4F o septo infundibular tem desvio anterior.
ECG e RX
São inespecíficos.
CATE
Usualmente não é necessário.
INDICAÇÃO DE CIRURGIA
O fato de tratar-se de uma cardiopatia canal-dependente indica, por si só, a intervenção cirúrgica na IAAo;
A prostaglandina E1 ajudou no tratamento visto que mantem o canal arterial aberto e fornece tempo para as medidas clínicas e cirúrgica.
TRATAMENTO CIRÚRGICO
Análise crítica das técnicas operatórias para tratamento da interrupção do arco aórtico com comunicação interventricular.
Tratamento paliativo (por estágios):
Essa estratégia era bem aceita na era pré-prostaglandina onde as condições clínicas dos pacientes era bem grave de forma que tentavam minimizar o impacto do procedimento;
Consiste em reconstruir o arco com prótese tubular e bandar a artéria pulmonar devido a CIV que será corrigida anos depois;
Acesso por toracotomia esquerda ou mediana associada.
Correção total (um só estágio):
Corrige em um só tempo o arco e os defeitos associados;
Uso de hipotermia profunda e parada circulatória total mais perfusão cerebral seletiva;
Nota: no São francisco eles canulam a aorta ascendente e depois afrouxam o torniquete e direcionam a cânula para o TBE;
Com a evolução tecnológica e avanço da qualidade cirúrgica a mortalidade da correção total reduziu com o tempo sendo hoje a forma mais aceita em alguns centros.
TÉCNICAS DE CORREÇÃO TOTAL DO ARCO COM CIV
IIAo com CIV é a forma de apresentação mais comum
Duas opções de técnicas
Clássica , sob parada circulatória total
Sob perfusão cerebral seletiva
Cuidados Anestésicos
Evitar hiperventilação e altas frações de oxigênio
Cateterizar a artéria radia direita e a umbilical (ou femoral)
para acompanhar a perfusão na parte superior e inferior do corpo
Também, permite avaliar gradientes pressóricos
Técnica sob Para circulatória Total
Se houver hipoplasia ou agenesia tímica, a equipe é alertada para a provável existência de síndrome de DiGeorge.
Desde que o calibre da aorta ascendente seja satisfatório, ela é canulada pouco abaixo da origem do tronco braquicefálico, o mais à direita possível, a fim de deixar bem livre a borda esquerda do vaso, em que se fará a anastomose.
Sutura em bolsa com prolene 6.0 e uso de canela 6 F
Se houver instabilidade ou se aorta ascendente for hipoplásica deve-se canular o tronco pulmonar
Nesses casos, é mais prático canular a aorta sob pinçamento tangencial, após ter iniciado a CEC.
Vale a pena ressaltar que o cuidado na redução da tensão do arco reconstruído diminuindo riscos de sangramento, pseudoaneurisma e estenose na anastomose
sempre inspecionar o septo interatrial em busca de CIA
O acesso para correção do CIV pode ser tanto transpulmonar quanto transatrial a depender da morfologia daquele.
Técnica sob perfusão Cerebral seletiva
O acesso cirúrgico, a timectomia, a fixação do pericárdio, o garroteamento do ramo direito do tronco pulmonar e a canulação arterial.
A canulação venosa é bicaval com cânulas aramadas de ponta metálica angulada, 12F.
O resfriamento sistêmico é iniciado e toma cerca de 20 min.
Nesse período, a aorta ascendente é separada do tronco pulmonar, os ramos do arco aórtico, o canal arterial e a eventual artéria subclávia anômala são amplamente dissecados e enlaçados.
A 25 graus, interrompe-se a infusão de prostaglandina
o fluxo da CEC é reduzido pela metade e descanula-se o tronco pulmonar, cuja sutura em bolsa é amarrada.
CIRCUNSTÂNCIAS ESPECIAIS
Interrupção do arco aórtico com comunicação interventricular e obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo
A obstrução grave da VSVE constitui o calcanhar de Aquiles da abordagem cirúrgica da IAAo, com implicações diretas na morbimortalidade cirúrgica imediata e tardia.
Os componentes obstrutivos incluem
o desalinhamento posterior do septo conal, em geral o mais importante deles,
a hipertrofia do feixe muscular anterolateral do ventrículo esquerdo (músculo de Moulaert),
a displasia valvar aórtica, geralmente de padrão bicúspide
o anel aórtico estreito
a hipoplasia da aorta ascendente e do arco aórtico.
Uma vez estabelecida a existência de obstrução da VSVE, surgem, de imediato, dúvidas quanto à conduta.
Deve-se tentar corrigi-la ou contorná-la?
Quando se opta por contorná-la, qual a melhor opção cirúrgica?
Optar por uma operação complexa, de reconstrução biventricular, como a proposta por Yasui, ou adotar um procedimento tipo Norwood, com reconstrução univentricular?
O assunto foi recentemente discutido em profundidade por Tchervenkov e colaboradores.
03 formas de decidir:
Se o diâmetro da VSVE for menor em milímetros que o peso da criança em quilogramas, a sobrevida com cirurgia conservadora é improvável se a VSVE não for ampliada ou contornada
Se o diâmetro da VSVE em milímetros for maior que o peso do bebê em quilogramas, adicionado de 2, a sobrevida sem obstrução significativa da VSVE é usual.
Entre esses dois valores, encontra-se uma zona cinzenta, de transição, na qual, embora a criança possa sobreviver à cirurgia, é provável que apresente obstrução residual significativa daVSVE.
Se o menor diâmetro da VSVE estiver abaixo de 3,5 mm, devem-se antever complicações obstrutivas pós-operatórias.
COMPLICAÇÕES
Complicações imediatas:
A tensão excessiva no arco aórtico reconstruído pode determinar compressão do brônquio fonte esquerdo subjacente e resultar em enfisema vicariante; ou em atelectasia do pulmão esquerdo, evidenciados por radiografia do tórax.
Sangramento na anastomose aórtica;
Intolerância hemodinâmica à aproximação do esterno.
Gradiente transanastomótico significativo.
Complicações tardias
Obstrução do enxerto tubular pelo crescimento do paciente ou obstrução psedoíntima
Definido como gradiente acima de 30 mmHg
Obstrução residual ou recorrente da VSVE
RESULTADOS
O sucesso da cirurgia ta relacionado com os aspectos anatômicos e também com a condição clínica preparatória.
Resultados Imediatos
A mortalidade cirúrgica, de até 80% nas primeiras séries publicadas, reduziu-se a menos de 40% no final da década de 1980.
O estudo da Congenital Heart Surgeons'Society (CHSS), de 1994, constatou mortalidade de 30 dias para a IAAo com CIV de 4% para o tipo A e de 11% para o tipo B.
Os raros casos de IAAo sem CIV associada são os de melhor prognóstico.
A IAAo tipo C caracteriza uma lesão altamente fatal, embora também rara.
A diferença de mortalidade é pequena entre os tipos A e B, sendo menor no primeiro.
A maioria dos óbitos decorrem de insuficiência cardíaca aguda ou subaguda ou de falência de múltiplos órgãos.
A reoperação para correção de obstrução da VSVE é a causa de morte tardia mais comum.
Resultados tardios
A sobrevivência é influenciada fortemente pelas lesões e síndromes associadas.
A condição clínica pré-operatória, e não a técnica cirúrgica, parece representar o maior preditor da evolução neurológica tardia.
Na última revisão da CHSS, de 2005 a sobrevida foi
aos seis meses - 83%
aos 5 anos - 70%
aos 15 anos - 62%
Obstrução do arco aórtico
A experiência inicial do grupo de Boston acompanhou-se de taxa livre de obstrução dos enxertos tubulares, de 55%, aos cinco anos.
Em contraste, os pacientes submetidos à correção por anastomose direta foram mais suscetíveis a apresentar essa complicação
60% deles tinham gradiente maior que 30 mmHg, nos primeiros 18 meses (1 ano e meio) após a operação.
No entanto, a dilatação percutânea foi eficaz na maioria dos casos com anastomose direta, ao passo que a obstrução no conduto sintético foi inevitável determinante de reoperação.
Na experiência inicial da CHSS, a ausência de reintervenção por obstrução do arco nos pacientes submetidos à anastomose direta foi muito gratificante
86% deles não apresentavam obstrução significativa aos três anos de evolução.
Em 2005, a mesma sociedade detectou que 16 anos após a operação, 38% dos pacientes estavam vivos, sem reintervenção no arco aórtico, enquanto outros 29% viviam após terem sido submetidos a ela.
Obstrução da VSVE
Na maior série já coletada, o estudo da CHSS, de 2005, dos 472 pacientes operados, 143 foram submetidos a diversos procedimentos para tratamento da obstrução da VSVE.
Em 52 desses últimos, a intervenção foi realizada em uma etapa posterior e não concomitantemente com a correção total, no período neonatal.
A ressecção subaórtica foi empregada em 75 pacientes e procedimentos de bypass, como os de Norwood e Yasui, em 51.
O transplante cardíaco foi executado em apenas dois pacientes e poucas crianças necessitaram de intervenção valvar aórtica.
Com 16 anos de evolução, 38% das crianças estavam vivas sem terem tido qualquer intervenção dirigida à obstrução na VSVE, ao contrário de outros 34%.
Os 143 pacientes submetidos a algum procedimento desobstrutivo da VSVE apresentaram alto risco precoce de morte e risco quase constante de uma segunda reintervenção
Referência:
1. Manso PH, Vicente WVA. Interrupção do arco aórtico. ln: Croti UA, Mattos SS, Pinto Jr. VC, Aiello VD, Moreira VM. Cardiologia e cirurgia cardiovascular pediátrica. 2a ed. São Paulo:Roca;2012. p. 621-36.