A Classificação de Crawford dos Aneurismas toracoabdominais: Uma base para a estratégia cirúrgica!
Ernest Stanley Crawford, foi um dos pioneiros no campo da cirurgia da aorta toracoabdominal promovendo grandes avanços técnicos nessa área.
Uma das suas contribuições se deu em 1986, quando Crawford descreveu o primeiro esquema de classificação para aneurisma da aorta toracoabdominal (AATA) com base na extensão anatômica do aneurisma. Em 1999, Safi e Miller modificaram a classificação, consistindo em 05 categorias diferentes:
Tipo I
O aneurisma vai desde a origem da subclávia esquerda até a aorta abdominal suprarrenal.
13,8% dos casos
Tipo II
é o mais extenso, estendendo-se da subclávia à bifurcação aorto-ilíaca.
28,3% dos casos
Tipo III
Envolve a aorta torácica distal. O aneurisma vai desde o sexto espaço intercostal até à bifurcação aorto-ilíaca.
Em alguns estudos, é o tipo mais prevalente, compondo até 48% dos casos.
Tipo IV
Os aneurismas são limitados à aorta abdominal abaixo do diafragma, indo do décimo segundo espaço intercostal até a bifurcação aorto-ilíaca.
Tipo V
O aneurisma se estende da aorta torácica distal (a partir do sexto espaço intercostal) até a região acima das artérias renais
A região aneurismática inclui as origens do tronco celíaco e mesentérica superior, mas não as artérias renais!
imagem mostrando os tipos de aneurismas toracoabdominais segundo a classificação de Crowford modificada.
Fonte: Frederick JR, Woo YJ. Thoracoabdominal aortic aneurysm. Ann Cardiothorac Surg 2012
Dessa forma, ao levar e conta a extensão do aneurisma toracoabdominal, fica claro que a classificação de Crawford é uma base fundamental na elaboração da melhor estratégia cirúrgica.
Conforme o tipo e extensão do aneurisma toracoabdominal, 03 pontos básicos devem ser planejados:
1) A incisão cirúrgica:
Quanto a incisão cirúrgica, nos aneurismas toracoabdominais usualmente é realizado a toracotomia póstero-lateral com extensão que pode ir até a região umbilical ou púbica, conforme a extensão distal do aneurisma.
Aneurismas sem comprometimento infra-renal (Tipo I e V):
Nesses casos, o aneurisma tem uma localização mais alta de forma que a incisão pode ser mais econômica.
Aneurismas com comprometimento infra-renal (tipo II, III e IV):
Se o aneurisma se extende até a região infra-renal ou até a bifurcação aorto-ilíaca, haverá necessidade de realizar uma incisão mais ampla (tipo II, III e IV).
Observem na figura acima as extensões que a incisão cirúrgica pode ter conforme o tipo de aneurisma toracoabdominal.
2) A Necessidade ou não de revascularização dos vasos abdominais:
Já com relação a necessidade ou não de revascularizar os vasos abdominais, é claro que se o aneurisma engloba um determinado vaso, esse precisa ser preservado de alguma forma. Nos tópicos a seguir, irei descrever os principais vasos da região toracoabdominal que precisam ser avaliados na estratégia operatória.
Vasos intercostais:
A reanastomose das artérias intercostais (distal, entre T8 e L1) deve, sempre que possível, ser feita quando a cirurgia é aberta com objetivo de minimizar o risco de paraplegia. Devemos lembrar que as artérias intercostais fornecem suprimento sanguíneo para a medula espinhal através de seus sub-ramos radiculares (artéria de Adam-Kiewicz).
Imagem mostrando a anastomose de dois pares de artérias intercostais a um orifício lateral do enxerto aórtico. Notem que nessa técnica o cirurgião tenta realizar uma anastomose látero-lateral entre o enxerto tubular e o "patch de aorta" que inclui os orifícios dos vasos intercostais.
Fonte: Okata Y, Omura A, Yamanaka K, Inoue T, Kano H, Tanioka R, Minami H, Sakamoto T, Miyahara S, Shirasaka T, Ohara T, Nagai H, Okada K. Open reconstruction of thoracoabdominal aortic aneurysms. Ann Cardiothorac Surg 2012.
Tronco celíaco e Artéria mesentérica superior/inferior:
O tronco celíaco e a Artéria mesentérica superior estão comprometidos em todas as formas de aneurismas toracoabdominais, exceto no tipo I. Dessa forma, nos tipos II, III, IV e V, haverá a necessidade de reimplantar esses vasos.
Artérias renais:
Os aneurismas toracoabdominais dos tipos II, III e IV são aqueles onde há comprometimento das artérias renais. Dessa forma, os tipos I e V usualmente não irão precisar de uma abordagem nas artérias renais.
Imagens mostrando: 1. Angiotomografia abdominal revelando aneurisma e dissecção da aorta na região das artérias renais; 2. reimplante da artéria renal direita durante correção de aneurisma toracoabdominal do tipo II do mesmo paciente da tomografia.
Fonte: Própria.
Imagem acima mostrando uma representação esquemática da extensão da correção cirúrgica conforme o tipo de aneurisma toracoabdominal.
Fonte: Frederick JR, Woo YJ. Thoracoabdominal aortic aneurysm. Ann Cardiothorac Surg 2012
3) A técnica de perfusão distal:
Conforme a extensão do aneurisma, haverá a necessidade de manter perfusão nos órgãos abdominais enquanto o reparo cirúrgico é realizado. Isquemia prolongada pode ser deletéria comprometendo o resultado cirúrgico.
Diversas técnicas são descritas conforme a extensão dos aneurismas. Independente da técnica ou do sítio de canulação utilizado, o objetivo é sempre o mesmo: evitar ao máximo isquemia prolongada em determinado órgão ou região.
Galeria com imagens mostrando técnicas de perfusão para correção de aneurismas toracoabdominais.
Em resumo:
A classificação de Crawford agrupa os aneurismas toracoabdominais conforme a extensão anatômica.
Conforme o tipo de aneurisma e sua extensão anatômica é possível planejar a estratégica cirúrgica ou endovascular mais adequada
Ex.: Escolha da extensão da incisão e do reparo cirúrgico, técnicas de perfusão, procedimento híbrido, etc
Sempre que possível devemos preservar as artérias intercostais para minimizar o risco de paraplegia.
Referências:
1. Frederick JR, Woo YJ. Thoracoabdominal aortic aneurysm. Ann Cardiothorac Surg 2012 Sep 25. doi: 10.3978/j.issn.2225-319X.2012.09.01.
2. Acta Cardiol Sin 2017;33:1E9 Review Article doi: 10.6515/ACS20160401A
3. Okata Y, Omura A, Yamanaka K, Inoue T, Kano H, Tanioka R, Minami H, Sakamoto T, Miyahara S, Shirasaka T, Ohara T, Nagai H, Okada K. Open reconstruction of thoracoabdominal aortic aneurysms. Ann Cardiothorac Surg 2012;1(3):373-380. DOI: 10.3978/j.issn.2225-319X.2012.09.05
4. European Heart Journal (2014) 35, 2873–2926 doi:10.1093/eurheartj/ehu281