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Foto do escritorKleberth Tenório

Intervenção Precoce na Estenose Aórtica: Uma nova perspectiva?

Atualizado: há 4 dias


A estenose aórtica (EA), a valvopatia mais prevalente em países desenvolvidos, é uma condição progressiva que frequentemente resulta em remodelamento ventricular esquerdo (VE) e danos cardíacos irreversíveis. A revisão conduzida por Maznyczka et al., publicada no JACC Cardiovascular Interventions, destaca os avanços no entendimento da fisiopatologia da EA e os potenciais benefícios da substituição valvar aórtica (SVA) em fases mais precoces da doença, especialmente em pacientes assintomáticos ou com EA moderada.


Paper publicada no JACC Cardiovascular Interventions por Maznyczka et al. Vale a pena a leitura na íntegra. Mas se quiser algo objetivo e didático, esse resumo irá te ajudar bastante.

Publicações recentes, como EARLY TAVR, TAVR UNLOAD e EVOLVED, acrescentam novas perspectivas ao debate, sugerindo caminhos para a intervenção precoce baseada em biomarcadores, imagem avançada e critérios clínicos objetivos.


Aspectos Centrais da Revisão:


Epidemiologia e Impacto Clínico

• A EA afeta mais de 10% dos indivíduos com idade superior a 75 anos, sendo severa em aproximadamente 3,4%.

• Dados de grandes estudos mostram que, sem tratamento, a EA grave apresenta uma mortalidade de 45% em quatro anos, mesmo após ajuste para comorbidades.

• Cerca de 50% dos pacientes com EA grave são assintomáticos no momento do diagnóstico, mas 67% desenvolverão sintomas em cinco anos, elevando o risco de morte súbita e insuficiência cardíaca.


Fisiopatologia do Dano Cardíaco

• A estenose causa sobrecarga de pressão no VE, desencadeando hipertrofia miocárdica e remodelamento ventricular.

• O desequilíbrio entre oferta e demanda de oxigênio no miocárdio leva à fibrose, que pode ser difusa (potencialmente reversível) ou de substituição (irreversível).

• A progressão do dano cardíaco, incluindo dilatação do átrio esquerdo, hipertensão pulmonar e disfunção ventricular direita, agrava o prognóstico e limita os benefícios da SVA tardia.


Figura didática da história natural da estenose aórtica. O conceito (nem sempre fácil) é: indique intervenção antes que seja muito tarde.

Diretrizes Atuais para Intervenção na EA Grave Assintomática:


Vale aqui relembrar o básico: os critérios ecocardiográficos para estenose aórtica (EA) grave.

  • Gradiente médio ≥ 40 mm Hg

  • Velocidade pico ≥ 4,0 m/s

  • Área da válvula aórtica (AVA) ≤ 1,0 cm² ou ≤ 0,6 cm²/m²


As diretrizes mais recentes, tanto europeias (ESC/EACTS 2021) quanto americanas (ACC/AHA 2020), já apresentam critérios claros para intervenção em pacientes com EA grave assintomáticos, incluindo:

           •   Disfunção ventricular esquerda: Fração de ejeção (LVEF) < 50% sem outra causa (Classe I). A diretriz europeia também considera intervenção (Classe IIa) quando LVEF <55%.

           •   Sintomas detectados em teste de esforço (Classe I).

           •   Queda sustentada na pressão arterial durante teste de esforço: > 10-20 mmHg (Classe IIa).

           •   Disfunção ventricular incipiente: LVEF entre 50-55% (Classe IIa).

           •   Critérios adicionais para estenose crítica, mesmo com função ventricular preservada:

                  • Gradiente médio ≥ 60 mmHg ou Vmax > 5 m/s (Classe IIa).

                  • Calcificação valvar grave (Agatston score: homens > 2.000, mulheres > 1.200) e progressão da Vmax ≥ 0,3 m/s/ano. (Classe IIa).

                  • Níveis elevados de BNP > 3 vezes o limite normal para idade e sexo, confirmados em múltiplas medições. (Classe IIa).

 

Esses critérios reforçam a necessidade de uma abordagem individualizada, baseada em sintomas ocultos e em evidências objetivas de progressão da EA, mesmo em pacientes considerados assintomáticos.

 

Quais são os Avanços e Evidências Emergentes?

 

Benefícios Potenciais da Intervenção Precoce

    • Dados observacionais sugerem que a SVA precoce pode reduzir a mortalidade e limitar a progressão do dano cardíaco.

    • Ensaios como AVATAR e RECOVERY mostraram melhora em desfechos compostos e redução de hospitalizações por insuficiência cardíaca em pacientes assintomáticos submetidos à SVA precoce.

    • O estudo EARLY TAVR (NEJM, 2024)  fortalece essa evidência ao mostrar que o TAVI precoce pode reduzir a mortalidade e prevenir a progressão da insuficiência cardíaca, utilizando critérios como BNP elevado e strain longitudinal global para identificar pacientes de alto risco.

 

Intervenção na EA Moderada e Disfunção Ventricular

A estenose aórtica moderada é definida por:

  • Área da válvula aórtica (AVA) entre 1-1,5 cm²;

  • Velocidade do jato aórtico (pico) de 3-4 m/s.

  • Gradiente médio de 20-40 mm Hg.


Nesses casos, as diretrizes recomendam seguimento clínico. Indicação formal de intervenção cirúrgica (Classe IIb) para a substituição da válvula aórtica somente em pacientes com EA moderada que necessitem de cirurgia cardíaca por outras indicações.


O grande questionamento é (muito visto na prática): o que fazer quando o paciente tiver EA moderada com disfunção do Ventrículo esquerdo (VE)? :

    • O estudo TAVR UNLOAD (JACC, 2024) demonstrou que a SVA em pacientes com EA moderada e fração de ejeção < 50% promove melhora significativa na função ventricular e reduz hospitalizações por insuficiência cardíaca em comparação ao tratamento clínico isolado.

    • Esses achados ampliam as fronteiras da intervenção, sugerindo que a identificação de disfunção miocárdica incipiente pode justificar a intervenção antes da progressão para EA grave.

 

Biomarcadores e Imagem Avançada

    • O estudo randomizado EVOLVED (JAMA, 2024), avaliou pacientes assintomáticos com EA grave e fibrose miocárdica identificada por ressonância magnética cardíaca (RMC). Embora não tenha demonstrado redução significativa de mortalidade, o estudo mostrou que a intervenção precoce reduz hospitalizações por insuficiência cardíaca e melhora a classe funcional.

    • A análise reforça o uso de biomarcadores, como BNP elevado, e fibrose detectada por RMC como critérios essenciais para identificar pacientes que se beneficiariam da SVA precoce.

 

Ensaios Clínicos em Andamento

    • Estudos randomizados como EASY AS, e DANAVR avaliam o impacto da SVA precoce em pacientes assintomáticos com EA grave e disfunção ventricular.

    • Essas investigações são fundamentais para confirmar os benefícios da intervenção precoce e refinar os critérios de seleção em subgrupos de maior risco.

 

Desafios e Consequências da Intervenção Precoce

    • Riscos Procedimentais: Mortalidade, AVC, sangramento e necessidade de marca-passo permanecem preocupações, mesmo com avanços no TAVI (implante transcateter de válvula aórtica).

    • Gestão a Longo Prazo: A substituição precoce aumenta a probabilidade de reintervenções (“valve-in-valve”), especialmente em pacientes mais jovens, devido à vida útil limitada das biopróteses (10-15 anos).

    •  Acesso Coronário: Procedimentos subsequentes, como angioplastias, podem ser mais desafiadores em pacientes com válvulas transcateter.

   •   Seleção de Pacientes: Identificar corretamente aqueles que mais se beneficiarão da intervenção precoce continua sendo um desafio, exigindo ferramentas avançadas de estratificação.

Ilustração central da publicação descreve os potenciais benefícios (pros) e malefícios (cons) da intervenção precoce da Estenose Aórtica. É uma imagem rica em didática. Ela poderá te ajudar no momento que nascer uma dúvida se tu deve tratar ou não a doença.

Implicações Clínicas e Futuras Direções

A revisão aponta para uma mudança no manejo da EA, com intervenções precoces visando prevenir danos irreversíveis e melhorar os desfechos clínicos. Ferramentas diagnósticas, como biomarcadores e técnicas avançadas de imagem, devem ser incorporadas para selecionar pacientes que mais se beneficiarão dessa abordagem.

 

Conclusão

Embora promissora, a estratégia de intervenção precoce na EA ainda carece de validação robusta em estudos clínicos de grande escala. Diretrizes atuais já fornecem critérios claros para intervenção em casos específicos de EA grave assintomática, mas novas evidências são aguardadas para expandir essa abordagem e otimizar o manejo da EA moderada e de subgrupos específicos.


Referência:

  1. Maznyczka A, Prendergast B, Dweck M, Windecker S, Généreux P, Hildick-Smith D, Bax J, Pilgrim T. Timing of Aortic Valve Intervention in the Management of Aortic Stenosis. JACC Cardiovasc Interv. 2024 Nov 11;17(21):2502-2514. doi: 10.1016/j.jcin.2024.08.046. PMID: 39537272.

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