ACC 2020: Os vieses da meta-análise que comparou artéria radial vs. safena para revascularização do
Atualizado: 15 de mar. de 2021
Escrito por Laio C. Wanderley
Em sessão científica on-line do American College of Cardiology (ACC) 2020, Mario F.L. Gaudino, MD, apresentou a meta-análise "Radial Artery Versus Saphenous Vein For Coronary Bypass Surgery At Long Term Follow-up." Como o título declara, trata-se de um estudo que compara a artéria radial vs. veia safena para cirurgia de revascularização do miocárdio no seguimento a longo prazo.
Composto por 5 estudos clínicos randomizados (Petrovic, RAPCO, RSVP, Nasso e Song), a meta-análise demonstrou benefícios no uso da artéria radial, além daqueles anteriormente sugeridos pelo professor Gaudino et al.; não apenas ela foi melhor quanto ao desfecho composto por morte, infarto e revascularização repetida, na análise atual, demonstrou benefício na sobrevida dos pacientes (HR 0.73 - 95% CI 0.57-0.93).
Todos nós sabemos que, para uma adequada avaliação de meta-análise, é fundamental conhecer bem a qualidade dos estudos que a basearam. Assim sendo, aponto o primeiro viés do trabalho: a análise foi norteada por estudos que incluíram pacientes entre 1997 e 2009 em cinco locais diversos em todo o mundo. Essa heterogeneidade entre os estudos randomizados que compõem a meta-análise, acaba entrelaçando diferentes metodologias estatísticas e técnicas cirúrgicas relacionadas ao preparo e uso da artéria radial e da veia safena. Tanto no trabalho de 2018 que o professor Gaudino publicou no New England Journal of Medicine (follow-up de 05 anos) quanto no atual (follow-up de 10 anos), a maneira que a safena é retirada foi deixada em um segundo plano. Essa tendência em negar a importância do método de retirada da safena se demonstra quando Gaudino et al. nem sequer fala sobre a "técnica no-touch" em suas publicações. Há fortes indícios que a “técnica no-touch" contribui para maior patência da veia perante maior preservação endotelial, maior produção de óxido nítrico pelo enxerto e preservação de uma verdadeira rede de proteção mecânica e fisiológica ao redor da veia (gordura, vasa vasorum, etc). Dessa forma, hoje, para uma adequada comparação radial vs. safena, é mais do que salutar que a veia “seja" no-touch.
A omissão de Gaudino et al. quanto ao preparo da veia safena, fez o Brasileiro Domingos Souza, cirurgião cardíaco Brasileiro radicado na Suécia e um dos idealizadores da técnica no-touch, realizar diversas críticas em editorial do Journal of Thoracic Disease. A crítica se baseava em não ter sido incluso na metanálise de 2018 o estudo Sueco que comparava a artéria Radial com a veia safena no-touch. Na realidade, nem sequer os autores citaram a técnica no-touch naquela publicação. Discussões a parte, o fato é que todos os trabalhos incluídos na meta-análise apresentada no ACC 2020 não dão importância ao método de retirada da safena. Se isso é um viés que acaba favorecendo a artéria radial, deixo ao leitor a reflexão e conclusões.
O segundo viés vem com o conceito de que o estudo ideal para comparar a eficácia de uma abordagem terapêutica é um estudo clínico randomizado! O próprio Gaudino em entrevista (colocarei no fim da postagem) fala que é necessário fazer um estudo randomizado para confirmar os achados da sua meta-análise.
Por fim, o terceiro e último viés, é que a análise de sobrevida foi post hoc. Sabidamente a análise post hoc consiste em estatísticas realizadas após a visualização dos dados. Deve-se ter muito cuidado com interpretações e associações estatísticas dessas análises.
# Take-home message:
Devemos lembrar que uma meta-análise produzida a partir de estudos duvidosos pode gerar uma meta-ilusão.
Mesmo somando pacientes de 05 estudos, a amostra da meta-análise não foi a ideal. Em matéria publicada no Medscape, há uma declaração que coloco ipsis litteris: o tamanho da amostra foi "relatively low and underpowered, even after 10-year follow-up”.
Uma coisa não excluiu a outra. Os mais obcecados por uma modalidade terapêutica "Hype" costumam querer matar, excluir e eliminar a antecessora. Não é o caso do professor Gaudino, que declara na reportagem abaixo haver espaço para ambas a técnicas. Ou seja, SEMPRE DEVEMOS INDIVIDUALIZAR NOSSOS DOENTES e escolher a técnica e o enxerto que melhor se adequa para o caso.
Vídeo da entrevista do professor Gaudino onde ele resume os achados da sua última meta-análise que comparou a artéria radial vs. veia safena para cirurgia de revascularização do miocárdio.
Referências:
1. www.medscape.com/viewarticle/928266
2. Gaudino M. Radial artery versus saphenous vein for coronary artery bypass surgery at long-term follow-up. Presented on: March 30, 2020. ACC 2020.
3. https://cardiopapers.com.br/veia-safena-x-arteria-radial-qual-e-o-melhor-enxerto-para-cirurgia-de-revascularizacao-do-miocardio/
4. Kopjar T, Dashwood MR, Dreifaldt M, de Souza DR. No-touch saphenous vein as an important conduit of choice in coronary bypass surgery. J Thorac Dis 2018;10(Suppl 26):S3292-S3296. doi: 10.21037/jtd.2018.08.127
5. Wingo M, Gaudino MF. RADIAL meta- analysis: following the rules usually pays off. J Thorac Dis 2018;10(11):E785-E786. doi: 10.21037/jtd.2018.10.75
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