Pericardite constrictiva e Pericardiectomia: aspectos clínicos e cirúrgicos que você precisa saber.
Atualizado: 7 de nov.
A pericardiectomia é mais frequentemente necessária em pessoas com pericardite constritiva crônica. A pericardite recorrente ou crônica pode levar à formação de cicatrizes e à aderência do pericárdio visceral à superfície epicárdica. Se não for tratada, isso pode resultar na perda da complacência pericárdica e em subsequente insuficiência cardíaca diastólica.
Geralmente a pericardiectomia não é uma opção para pessoas que tiveram apenas um episódio de pericardite ou que não realizaram o tratamento clínico de maneira adequada. Porém, se ocorre a falha do tratamento clínico e o pacientes apresenta sintomas persistentes de insuficiência cardíaca, o procedimento definitivo é a pericardiectomia.
Dessa forma, A pericardiectomia é tipicamente realizada em pacientes com pericardite constritiva (CP), onde a extensão da inflamação levou à fibrose, cicatrização e, frequentemente, calcificação do tecido pericárdico, dificultando assim a função ventricular adequada.
Aspectos clínicos: Bizu Geral.
Causas
Idiopática
Irradiação
Pós Cirurgia
Infecciosa
Fisiopatologia: Há restrição da diastólica do coração por constrição do pericárdio - funciona como uma IC diastólica.
Consequência: Redução do débito efetivo por redução da pré-carga.
A apresentação clínica dominada por sintomas de falência do VD:
Edema de MMII
Congestão hepática
Ascite
Anasarca
Dispneia aos esforços
Tosse e ortopneia
Insuficiência tricúspide
Pressão venosa jugular aumentada com onda Y proeminente.
Sinal de Kusmmaul presente.
Knock Pericárdico
Ruido diastolico precoce melhor audível em BEE ou apex
corresponde a um precoce e subida cessação do enchimento ventricular.
Desdobramento amplo de B2
Há antecipação do fechamento da Ao por menor débito e fechamento mais tardio da pulmonar por aumento do tempo de diástole do VD.
Resumindo: A2 precoce e P2 tardia.
ECG
Não há achado específico.
FA é frequente devido ao aumento das pressões de enchimento nos átrios.
Raio-x
Quando o pericárdio encontra-se calcificado, pode ficar evidente ao raio-x de tórax.
ECO
Espessamento do pericárdio
Deslocamento abrupto do septo interventricular durante a diástole
SInais de congestão sistêmica com dilatação de veias hepáticas e distensão de cavas
Abertura prematura da valva pulmonar
Diminuição expiratória na velocidade de fluxo diastólico da veia hepática e aumento do fluxo reverso.
TC E RNM
Úteis para realizar o diagnóstico diferencial diferenciar com outras Miocardiopatias restritivas
TC - pode avaliar calcificação
RM - pode avaliar espessura do pericárdio.
Tratamento
Pericardiectomia é o tratamento definitivo após falência do tratamento clínico.
Diagnóstico diferencial: Miocardiopatia restritiva (secundárias a doenças que causam depósitos no músculo cardíaco como amiloidose, hemocromatose, sarcoidose ou fibrose);
Características que favorecem diagnóstico de Pericardite constrictiva:
Pressão diastólica (PD) final do VE - PD final do VD < 5 MMhG:
Se as pressões finais se equalizam, isso é sinal de constrição
Na Miocardiopatia restritiva, há comprometimento do VE provocando aumento da PD final do VE.
Pressão sistólica do VD < 50 mmHg:
Na Miocardiopatia restritiva. tem aumento acima de 50 mmHg pois é comum associar-se com Hipertensão arterial pulmonar.
PD final do VD / PSVD > 0.33.
Figura didática mostrando a classificação de pericardite conforme o padrão da doença (aguda, recorrente, tamponamento, constritiva) e seu respectivo tratamento.
Notem que a pericardite constritiva possui indicação nos casos de falha do tratamento clínico com anti-inflamatórios se houver sinais de inflamação. Caso não haja sinais inflamatórios, deve-se indicar pericardiectomia diretamente.
Fonte: referência 01
Aspectos cirúrgicos
A pericardiectomia é uma intervenção traiçoeira na cirurgia cardíaca, frequentemente empregada para tratar condições como a pericardite crônica constritiva. Permito-me usar o termo traiçoeira. Apesar do conceito cirúrgico simples, sua execução demanda uma cuidadosa técnica operatória, sob o risco elevadíssimo de sangramento por lesão no miocárdio e coronárias. Nesse contexto, vale realizar algumas considerações sobre a escolha da abordagem cirúrgica.
Imagem que resume bem o processo de pericardiectomia. Notem que o autor opta por dissecar primeiro o lado direito, realizar a canulação para CEC e completar a pericardiectomia. Observem também o cuidado (imagem C) com o nervo frênico.
Fonte: Referência 02
Acesso cirúrgico
Existem diferentes vias de acesso para a realização da pericardiectomia, sendo as mais comuns a esternotomia mediana, a toracotomia anterolateral esquerda e a toracotomia bilateral. A escolha da abordagem deve ser feita criteriosamente, levando em consideração a experiência do cirurgião e as necessidades específicas do paciente (3).
A esternomia mediana é amplamente preferida devido à sua familiaridade para a maioria dos cirurgiões e à sua capacidade de proporcionar uma excelente exposição dos lados anterior e direito do coração, além de permitir a canulação central para circulação extracorpórea. Por outro lado, a toracotomia bilateral é reservada para casos em que a toracotomia anterolateral esquerda não oferece uma exposição adequada ou para procedimentos de revisão cirúrgica. Caso queiram assistir um vídeo mostrando as duas vias de acesso, consultem as referências 4 e 5.
Dissecção do pericárdio
O procedimento de extração do pericárdio geralmente é iniciado na face anterior do ventrículo esquerdo e progride em direção ao ápice cardíaco. Se o pericárdio no átrio direito e no ventrículo direito for liberado primeiro, o edema pulmonar se desenvolverá à medida que o débito ventricular direito aumenta (mais fluxo para o pulmão) e a pressão ventricular esquerda (VE) contínua (persiste o déficit diastólico do VE). Porém, diversas referências não citam esse detalhe técnico, parecendo irrelevante especialmente se a cirurgia for realizada com o apoio da circulação extracorpórea.
Quanto à necessidade de retirada do pericárdio da veia cava e do átrio direito, embora haja divergências, a maioria dos especialistas recomenda sua remoção, visando uma completa resolução do quadro clínico.
É relevante notar que as estratégias para a pericardiectomia podem variar significativamente entre os cirurgiões e as instituições. No livro do professor Cohn, na leitura do capítulo 57, podemos ler bem claro: “Practice is variable”. Alguns optam pelo uso da circulação extracorpórea, enquanto outros preferem realizar o procedimento sem ela. Da mesma forma, a escolha entre toracotomia anterior esquerda e esternotomia mediana também pode variar de acordo com a preferência e experiência do cirurgião, assim como as características específicas do caso em questão.
Cuidado especial deve ser dado ao nervo frênico durante a dissecção do pericárdio, pois trata-se da única macroestrutura não cardíaca associada ao pericárdio. Lesão no nervo frênico pode causar paralisia diafragmática.
O nervo frênico controla o diafragma. O diafragma paralisado causa dificuldade respiratória, movimentos assimétricos do tórax durante a respiração, além de elevar o risco de infecção do trato respiratório.
O Procedimento de waffle:
O Procedimento de waffle consiste na Criação de linhas longitudinais que se cruzam e incisões transversais através do epicárdio através toda a superfície dos ventrículos, resultando em pequenas ilhas de tecido cicatricial epicárdico (1 cm2 de tamanho). Essas incisões reduzem a constrição ventricular nos casos de pericardite constritiva.
O Procedimento de waffle consiste na Criação de linhas longitudinais que se cruzam e incisões transversais através do epicárdio através toda a superfície dos ventrículos, resultando em pequenas ilhas de tecido cicatricial epicárdico (1 cm2 de tamanho). Essas incisões reduzem a constrição ventricular nos casos de pericardite constritiva.
Imagem do livro do professor Cohn Mostrando de maneira didática o procedimento Waffle, cujo o nome faz alusão a um doce muito popular nos Estados Unidos
Conclusão e bizu-home-message:
A pericardite constrictiva é o Estágio final de um processo inflamatório crônico no pericárdio
A indicação cirúrgica deve conter:
Falha do tratamento clínico.
Sinais e sintomas de constricção
Realize sempre o diagnóstico diferencial com Restrição por doença no miocárdio (amiloidose, hemocromatose, sarcoidose ou fibrose).
Exames complementares concordantes com a clínica.
A pericardiectomia é uma intervenção que devemos ter os seguintes cuidados:
Controle de Sangramento ao dissecar o pericárdio. Se tá muito difícil, hepariniza, entra em CEC e/ou considera o Waffle;
Cuidado com o nervo frénico na região lateral do pericárdio;
Cuidado ao dissecar o VD primeiro quando estiver sem CEC - risco de edema pulmonar à medida que o débito ventricular direito aumenta;
Esternotomia mediana, a toracotomia anterolateral esquerda ou toracotomia bilateral: o acesso dependerá de necessidades específicas ou experiência do grupo.
Referências
Chiabrando JG, Bonaventura A, Vecchié A, Wohlford GF, Mauro AG, Jordan JH, Grizzard JD, Montecucco F, Berrocal DH, Brucato A, Imazio M, Abbate A. Management of Acute and Recurrent Pericarditis: JACC State-of-the-Art Review. J Am Coll Cardiol. 2020 Jan 7;75(1):76-92. doi: 10.1016/j.jacc.2019.11.021. PMID: 31918837.
Moros, D., Zaki, A. & Tong, M.ZY. Surgical Approaches for Pericardial Diseases: What Is New?. Curr Cardiol Rep 25, 1705–1713 (2023). https://doi.org/10.1007/s11886-023-01986-4
Cho, Yang & Schaff, Hartzell. (2012). Surgery for pericardial disease. Heart failure reviews. 18. 10.1007/s10741-012-9338-7.
Vídeo mostrando a pericardiectomia por esternotomia mediana, iniciando a ressecção do pericárdio pelo ventrículo direito.
Vídeo mostrando a pericardiectomia por toracotomia lateral
Faiza, Z., Prakash, A., Namburi, N. et al. Fifteen-year experience with pericardiectomy at a tertiary referral center. J Cardiothorac Surg 16, 180 (2021). https://doi.org/10.1186/s13019-021-01561-4