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Foto do escritorMatheus M. Hennemann

Qual o fluxo de perfusão ideal em CEC?


O paciente está anestesiado, anticoagulado e canulado; o cirurgião dá o comando para o perfusionista entrar em circulação extracorpórea (CEC). Ok, mas qual o fluxo será ofertado a esse paciente durante o período de by-pass? Seremos guiados pela pressão arterial, por um fluxo fixo pré-estipulado ou por marcadores específicos?

A verdade é que há muito tempo os pesquisadores tentam responder essa questão e, até hoje, não há uma padronização de um fluxo ideal em CEC. O valor de fluxo mais utilizado é entre 2,2 – 2,8 L/min/m2, uma vez que esse é a faixa de índice cardíaco para a maioria dos pacientes anestesiados em normotermia. Contudo, o fluxo total de perfusão é difícil de ser determinado, pois trabalhamos com populações (idade, obesidade, hábitos) e condições (hipotermia, hemodiluição, fluxo linear) heterogêneas.

Tabela com determinantes do fluxo de bomba em CEC. Retirado e traduzido de Murphy et al., 2008.

Fluxo personalizado

A faixa de fluxo de 2,2 – 2,8 L/min/m2 se baseia na ideia que cada m2 de massa corpórea tem a mesma taxa metabólica e na fórmula do cálculo de superfície corpórea de Dubois, que tem mais de 100 anos! Thomassen e colaboradores (2010) demonstraram que o fluxo individualizado não melhora a oxigenação cerebral e sistêmica em CEC normotérmica. Além disso, relataram que fluxos entre 1,9 – 3,1 L/min/m2 mantiveram parâmetros adequados, indicando que os pacientes toleraram fluxos bastante diferentes de um valor pré-estipulado para toda a população.

Marcadores metabólicos

Os novos estudos científicos acerca da perfusão têm trazido dados interessantes. Já é consenso na literatura que a manutenção de adequada oferta de oxigênio (DO2) é mais importante que a simples manutenção da pressão arterial em CEC. A relação oferta/consumo de O2 indica o estado metabólico do paciente e se a perfusão está cumprindo seu objetivo principal, que é o suporte necessário ao metabolismo do paciente enquanto o coração e os pulmões estão parados. Podemos calcular a oferta e consumo de O2 com os dados das gasometrias arterial e venosa. Ademais, a gasometria nos permite avaliar o lactato sérico, um marcador mais sensível que a saturação venosa de O2 (SvO2) na avaliação de um suporte adequado.

Imagem do módulo de bomba centrífuga durante a CEC, ofertando 4,7 L/min de sangue, o que corresponde ao índice de 2,4 L/min/m2 do paciente.

Perfusão dos órgãos

O fluxo sanguíneo cerebral é alvo de estudos quando se fala em perfusão. Sabe-se que o cérebro tem a capacidade de autorregular o seu fluxo sanguíneo dentro de uma faixa de pressão. Contudo, isso ocorre na ausência de pulsatilidade que a CEC proporciona? Se fluxos baixos parecem proteger menos o cérebro, fluxos altos não poderiam aumentar o risco de dano vascular cerebral?

Alguns estudos demonstraram que índices baixos, da ordem de 1,2 L/min/m2, não alteraram significativamente o fluxo sanguíneo cerebral. Todavia, índice menor que 1,6 L/min/m2 resulta em aumento de lactato e baixa SvO2, indicando que o cérebro tem seu fluxo priorizado, em detrimento de outros tecidos. Órgãos viscerais, de fato, sofrem mais com o baixo fluxo; porém, devido à maior resistência à isquemia desses tecidos, os efeitos não são evidenciados com facilidade.

Perfusão pediátrica

A CEC pediátrica é um mundo à parte da perfusão em adultos. A taxa metabólica acelerada exige uma demanda maior de oxigênio, mas o grau de hipotermia geralmente é mais acentuado durante a perfusão. Nos pequenos, a superfície corpórea não se correlaciona bem com as necessidades metabólicas, sendo assim, é mais adequado utilizar o peso do paciente para o cálculo de fluxo. A literatura sugere que se trabalhe com fluxos entre 150 – 200 ml/kg/min, mas os resultados obtidos também são satisfatórios na faixa de 100 – 120 ml/kg/min. Nesses casos, os marcadores metabólicos e avaliação da gasometria são aliados importantes na realização de uma perfusão pediátrica de qualidade.

Conclusão

A faixa de fluxo comumente utilizada é um bom começo para se adequar a perfusão em cada serviço. O modo com que a CEC é conduzida, a profundidade da anestesia, a facilidade de acesso aos resultados de gasometrias, o grau de hipotermia e o tempo cirúrgico da rotina de cada hospital vão influenciar na determinação do fluxo de perfusão.

Cada vez mais devemos aplicar a ciência no dia a dia da perfusão e da cirurgia cardíaca. Visto isso, pode-se afirmar que o acompanhamento dos sinais que o paciente nos fornece no intra- e pós-operatórios é que irão nos guiar se a perfusão está adequada ou pode ser aprimorada. Assim como os artigos são uma forma de compartilhar esse conhecimento e dividir com os colegas, as conversas entre os profissionais e equipes auxiliam na construção de um planejamento cirúrgico que pode oferecer o melhor aos pacientes.

Referências:

1. De Somer, F (2007) What is optimal flow and how to validate this. JECT 39, 278-280. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4680698/pdf/ject-39-278.pdf

2. Murphy, G. et al (2008) Optimal Perfusion During Cardiopulmonary Bypass: An Evidence-Based Approach. Anesth Analg. 108(5), 1394-1417. https://doi.org/10.1213/ane.0b013e3181875e2e

3. Thomassen, S. et al. (2010) Should blood flow during cardiopulmonary bypass be individualized more than to body surface area? Perfusion 26(1), 45-50. https://doi.org/10.1177/0267659110382062

Sobre o Autor:

Matheus M. Hennemann

Biomédico formado pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).

Especialista em circulação extracorpórea pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

Atualmente atua como perfusionista na Santa Casa de Porto Alegre.

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